sexta-feira, 1 de julho de 2011

A corrupção no contexto Angolano

Homenagem ao Professor Alves da Rocha, demitido há um ano, Junho de 2010, pelo facto de ter denunciado a corrupção e não acreditar na eficácia da Lei da Probidade Administrativa, então publicada)

INTRODUÇÃO

A ausência de transparência permite pois a “subversão da ordem, das regras e das normas[1]. E isto traduz-se num “sintoma da fraqueza do sistema político, social e legal dum país”. Pode mesmo dizer-se que a corrupção causa a perda da legitimidade democrática pois observa-se a degradação da relação de confiança, entre os vários actores, na dicotómica relação Estado-Cidadão, na base das leis. O Estado, aos olhos do cidadão, deixa de ser uma pessoa de bem, uma vez que os seus agentes não agem na base do interesse público, pois observa-se ao fenómeno da delapidação do erário público. Ora, esta circunstância releva uma situação de injustiça social, uma vez que  é o Estado deixa de poder realizar o princípio da “equidade” entre. A degradação desse princípio, que conduzindo a perda da noção de estado, ultraja o colectivo e permite o caos, legitima a luta contra a corrupção que, em Angola, é considerada como um cancro só equiparável à guerra[2]. Eis, assim, o interesse do tema patente na presente Conferência.
1.   Caracterização do Contexto Angolano
Em que periodização assentam as bases da corrupção em Angola?
1.     Luta de Libertação Nacional: Problemas financeiros no movimento cívico (LNA) e a intervenção colonial . A concentração de fundos no Presidente.
Ainda no chamado proto-nacionalismo a gestão de fundos nas associações cívicas, pese embora um elevado padrão de ética reinante a sociedade colonizada, era problemática. Por isto, no caso da Liga Nacional Africana, albergue de muits nacionalistas, certos conflitos internos nessa base foram aproveitados pelo sistema colonial português para impor “Comissões Administrativas, destruindo a democracia interna na base das eleições entre os autóctones.
É também registado que no movimento de libertação nacional, com a componente guerrilheira, os Presidentes dos Partidos tinham por hábito controlarem as finanças, por meio da qual, exerciam o poder de “dar” e “retirar”. Não raras vezes tal tendência introduzia conflitos. O certo é que o Presidente estava em condições de “comprar” votos, de estabelecer amizades, de ganhar opiniões, criando espaço de manobra para vencer as lutas internas de ideias. Essa tendência, de que o Presidente é que deve controlar as fontes de riqueza e, nomeadamente, as Finanças, inspirou a praxis de gestão financeira após a independência.
2.  A independência: A psicologia do poder recente; a concentração económica; o mecanismo do auto-consumo;  gestão do OGE; as relações externas
Na tradição do colonialismo português o poder era algo muito distante das elites angolanas. São raras as personalidades que ascenderam a cargos de gestão política no tempo colonial. Apenas nas associações cívicas e desportivas havia a oportunidade dos angolanos gerirem, exerceram o poder efectivo.
Assim, a parca experiência de governo do bem público, bem como a debilidade ideológica reinante, acentuou a psicologia do consumo e da preservação da riqueza (do dinheiro) que se colocou instantaneamente na posse das elites. Essas elites entendem que o aceso privilegiado a esse dinheiro era sobretudo fruto do seu labor pela luta de libertação nacional. Isto era a fonte de legitimação.
Por isto, o movimento da nacionalização permitia então, melhor que outro sistema, criar o mecanismo da concentração da riqueza na elite governante, obrigando todos os sectores fora desse esquema sujeitarem-se aos ditames da elite, que percebeu, ainda no tempo a guerrilha que o controlo do dinheiro, permite o controlo da política e transforma todos os cidadãos em súbitos.
O sistema económico angolano adoptou, logo após a independência, um modelo económico concentracionista. A monopolização da produção (com destaque para a indústria) , do comércio interno e externo foi um traço inegável das opções económicas numa altura em que o amadurecimento das forças produtivas, nele compreendido o grau de domínio da economia pelos angolanos, não se encontrava maduro para tal opção.
A concentração económica esteve a par da absolutização política, da apropriação exclusiva da esfera do estado pelo partido do poder. Riqueza, conhecimento e força estavam inextrincavelmente unidos num só grupo. Essa concentração, do ponto de vista económico, introduziu ineficácias no sistema produtivo pois foi acompanhada pela destruição da indústria ligeira, parte da qual, foi-se progressivamente acoplando a cada monopólio.
Num dado momento, numa empresa, havia uma produção principal e um conjunto de produções acessórias, capazes de a tornar operacional. Progressivamente, foi-se acentuando a integração com certos serviços, e mesmo actividades, que concorriam não já para a prossecução central da produção mas para os interesses e estabilidade dos próprios gestores empregados. Uma panificadora poderia ter, simultaneamente, um parque de reparação auto, outro, de obras de construção civil, e por aí adiante, para satisfação global das necessidades gerais, quer em termos de funcionalidade da empresa, quer em termos de satisfação das necessidades pessoais dos seus integrantes. A empresa era quase um mundo completo, constituído de várias unidades produtivas. O mercado reduzia-se a quase nada ou internalizava-se no próprio monopólio. O que lhe faltasse adquiria sobretudo por troca directa de produtos ou de serviços, verificando-se mesmo em épocas de crise (e face a desmonetarização da economia devido a degradação do Kuanza), chantagens entre gestores: “se não me dás o que eu quero eu também não te dou o que tenho”. Essa atitude tornou-se generalizada a toda a economia. Os bens reais tinham uma grande força, bem como o nível de relações entre gestores que, por força de satisfazer a própria empresa eram “obrigados” a entrar em esquemas, em sistemas de compensações que foram progressivamente degenerando para sistemas de compadrio e corrupção. Se uma empresa que possui cervejas quisesse ter casas para as suas necessidades ou para os seus empregados formulava um contracto com a habitação para adquiri-las e, em contrapartida, “cedia” um x n° de caixas de cerveja. Concomitantemente, o jogo de ofertas recíprocas para criar lobbies para a troca de produtos ou serviços assumiu igualmente forma predominante na economia. Está lógico de pressentir que o que caberia ao chefe era a parte de Leão. Fácil de entender que em momentos de penúria só os grandes gestores beneficiavam desse sistema, que, sobretudo, é de satisfação pessoal. Mais fácil ainda é perceber que todos os trabalhadores estavam na “mão” dos seus gestores, pois todos os seus apetites eram satisfeitos via empresarial, por inexistência de mercado. Quanto poder tinham os gestores, qual potencial de submissão foi criado e quão a magnitude de corrupção nutria o sistema.
O facto da empresa aglutinar tudo e proceder a uma distribuição administrativa das suas produções facilitou a percepção de ausência de fronteira entre aquilo que era empresarial público e do que era apropriação privada, derivada do produto do trabalho dos gestores e dos próprios trabalhadores.
O salário monetizado, mesmo o do Director, não só não era suficiente, como não tinha qualquer papel válido, real. Nessas circunstancias, o Director confundia a sua empresa com a sua própria casa indo buscar directamente à empresa tudo de quanto carecia e estendia esse privilégio a sua clientela. Utilizava igualmente esse poder para tráfico de influências, subornos, etc, alguns com fundamento em negócios da própria empresa.
A concentração inspirou, por seu turno, uma burocracia político-administrativa-militar para acesso à riqueza em que as pessoas estavam divididas por castas: Dirigentes, Responsáveis, Técnicos (superior, médio, básico) Administrativos, Operários. A demonstração dessa escala estava plasmada no exercício, relembremos, dos cartões de abastecimento. A posição do indivíduo determinava o tipo de cartão ou cartões a que tinha acesso. A corrida assim à categoria de “responsável” para entrar no mundo dos aliviados e dos privilegiados era, então, grande. Funda-se aí a deturpação da relação entre técnicos e responsáveis e as bases duma indevida competição com repercussões negativas na economia.
Esse monopólio público era estruturado administrativamente pelo aparelho do estado. Este, não orientava a actividade económica do ramo. Dirigia o conjunto das empresas públicas como se fosse o seu Gestor Principal. A partir daí ministros e secretários de estado, bem como o aparelho superior se abasteciam normalmente. Cada ministério que dominasse um certo sector produtivo era praticamente o seu “dono” e, o seu ministro, mandava na sua produção. Este aspecto pode ser francamente relembrado se nos recordarmos das célebres requisições, através das quais o sistema poderia alocar bens as pessoas. O poder de requisição era, pois, do ministro que rege as empresas afectas. As trocas no aparelho de estado, as influências na base do poder de cada um, são assim evidentes. É fácil raciocinar que tal sistema facilitou a penetração do vírus denominado corrupção.
Mas onde é que se situa a grande massa de trabalhadores nesse esquema já que não detém o poder de requisição, nem pode utilizar abusivamente dos bens da empresa? A resposta do sistema foi o chamado “autoconsumo”. Era a parte do “salário”, em espécie, da sua própria produção. O mecanismo do autoconsumo criou um aparente sistema de cumplicidades entre trabalhadores e gestores tornando invisível a fronteira entre o bem empresarial e o privado ao mesmo tempo que permitia um excedente do produto da empresa  ao trabalhador que o usava para troca por produtos ou compra de favores.
Aqui chegados, dirão os economistas, há um excedente mas isso não prova a existência da corrupção, pois trata-se duma troca em bases iguais, apesar de tal situação criar um mercado próprio sem equilíbrio do valor incorporado no bem.
A resposta, pode ser equacionada da seguinte forma: se o “autoconsumo” era legítimo, como introduzi-lo no sector burocrático (Administração Central, Bancos, Finanças) ou em trabalhos que não criam bens visíveis, como, por exemplo, no sector dos transportes? Haja em vista que todos os trabalhadores eram empregados do Estado, da mesma entidade patronal.
É na relação que se cria entre detentores de produtos e de serviços que a corrupção se estabelece. A cobertura consensual (legitimação) é o direito de equidade para os trabalhadores do sector administrativo ou de “produção” não visível, uma vez que todos são empregados do Estado. Contudo, torna-se difícil encontrar aqui um estatuto legal. Desta feita, o funcionário público administrativo tem que arranjar uma forma de tornar o seu trabalho com mais remuneração (surge a gasosa), o empregado motorista precisa de ficar com o transporte e fazer a sua “candonga - puchada”, enfim, mil e uma habilidades para perequar os rendimentos com o sector produtivo e enfrentar o nível de vida.
Concerteza que aqueles que se encontram no topo têm mais vantagem sobre os demais, pois o seu autoconsumo é maior. O instituto do autoconsumo, paralelamente ao poder de requisição, surgem assim como percursores do sistema de corrupção ao tentar resolver a contradição que ele próprio encerra, seja, a legitimidade em generalizar uma prática autorizada aos trabalhadores do sector produtivo aos dos demais sectores.
Portanto, no início, não era a forma pecuniária que intermediava o fenómeno em análise, era o bem real ou, igualmente,  o trabalho - um bem abstracto - através da utilização abusiva dos empregados para trabalhos privados. Trata-se também aqui dum claro desvios de recursos.
A concentração económica e a departamentalização ministerial do sector económico facilitaram o empolamento de custos das empresas públicas por parte de ministros e altos funcionários de estado para satisfação das suas próprias necessidades. Mas, concomitantemente, outras formas foram contempladas nomeadamente o acesso a Comissões (usufruto proibido por lei, inicialmente) por homologação de concursos, a realização de obras de construção em casas próprias inseridas na facturação global de projectos públicos, a aquisição de viaturas para uso privado englobados em pacotes de negócios públicos, o usufruto indevido de dinheiro para tratamento no exterior, o pagamento de estudos e outras facilidades através de fundos não contabilizados, a constituição de empresas fantasmas no exterior, sem controlo razoável do sistema legal da própria administração central, etc. Outro aspecto decorrente desse período é a admissão de cooperantes com salários exagerados sendo uma parte dele para o contratante.
Finalmente, ao nível da gestão dos fundos directos da Administração central pelas unidades orçamentais consistia na utilização global dos fundos disponibilizados anualmente pelo OGE (Orçamento Geral do Estado). A táctica dos gestores era deixar passar o tempo e no fim do ano inventavam despesas, inflacionavam a facturação, para terem “bom desempenho”. Era, na realidade “uma festa”. De facto, num contexto de ausência de regras técnicas de controlo gestão orçamental, o saque do erário público tornou-se um “modus vivendi”
3.    A guerra: armamento e logística. O enriquecimento fácil e a cobertura político partidária.
Outra fonte de corrupção foi os negócios da guerra. Ao grande nível foram avançadas denúncias de percentagens sobre a facturação de compra de material bélico. As compras para a logística da guerra propiciaram vários negócios, com chorudas comissões, resultando inclusive na aquisição de material inadequado. Desde a compra de produtos que não chegaram ao país ao franquemento das portas dos armazéns, tudo serviu para dar vantagem económica a certas personalidades. Esse comportamente demasiadamente imoral era protegido pelo Partido no poder e justificado pelo facto de estarmos em guerra.
4.    O Partido Único: Formas de apropriação da riqueza. O cabritismo. O Nepotismo. O superego partidário.
A concentração total do poder no partido único do qual tudo era dependente permitiu a criação do fenómeno do “cabritismo”: “O cabrito (os angolanos) come ali onde está amarrado”. Repare-se que acaba-se por ficar amarrado ao sistema de poder, a necessidade de bajular para subir de posição ou para ter acesso a rendimentos ilícitos. O cabritismo é fonte segura de corrupção.
5.  Liberalização económica: a acumulação primitiva para a propriedade privada.
O fenómeno simples aqui é a passagem de grande parte do monopólio empresarial do estado para a propriedade privada, sendo que os grandes beneficiários foram (e continuam sendo) os que detinham as posições superiores no aparelho do estado. Havendo sido estabelecida a escala social (e diga-se bem) e havendo sido retomada a guerra, tornando nula a contestação ao modelo de privatização, foi fácil estabelecer os canais de transferência da propriedade estatal para privada, a grande maioria, através do chamado “ajuste directo”, seja, sem concurso público, praticamente por decisão do “Comité Central”. A liberalização da economia, a estruturação do capitalismo liberal, tal como era no tempo colonial, é dirigida a um grupo. Passamos meramente da discriminação racial (tempo colonial) para a discriminação política (era moderna) no acesso a propriedade e a capacidade de investimento. O tráfico de influência (gerido pelo próprio partido no poder e pelas instancias superiores do estado) é o traço fundamental dessa dita liberalização. Isto não só deturpa a estrutura de oportunidades (equidade), mas também retira eficiência e eficácia a economia, dada a falta de competitividade no acesso ao investimento.
6.  Constituição de 2010: excessiva centralização de poder no Presidente da República
Finalmente, a actual Constituição traduz-se numa excessiva centralização do poder político e na gestão superior da coisa pública pelo Presidente da República. De acordo com a teoria da corrupção  “Seja onde for que exista um poder muito concentrado e uma pouca responsabilidade, há uma longa lista de saques (pilhagens) e lucros” (In Corrupção 96, Newsweek). A fórmula avançada para este fenómeno é: “concentração, mais falta de responsabilidade, menos transparência igual a corrupção”. Um sistema de domínio tal qual se nos apresenta, sem contrapesos institucionais, facilita, ao certo a corrupção. Esta consagração de poderes vem na lógica dos processos anteriores em que o Presidente domina os fundos e quem afinal decide sobre a repartição burocrático-administrativa da riqueza é em primeira instancia o Presidente pelo domínio que ele tem sobre o sistema. Uma espécie de “poderio do poder-instituição” na óptica de B. Asso (ct, pg 51, nota 13, II semana social nacional) encaixando na óptica do estado neopatrimonial onde as instituições são o presidencialismo, o clientelismo e o uso pessoal dos recursos do Estado.
2.  Os canais de drenagem da corrupção
Qual é a fonte e quais as plataformas por onde passa a delapidação do erário público?
1.     “Doacções” directas. Via Presidencial; empresas públicas; subsídios não legais. Há entidades que têm acesso aberto aos dinheiros públicos do OGE ou das empresas públicas de forma directa e incontestada e podem usufruir eles próprios desses dinheiros ou “oferecer” aos demais das suas relações clientelares. A via epistolar ao Presidente da República, por exemplo, para ter acesso a esses fundos, sem rubrica fundamentada, tem sido uma fonte frequente. Nas empresas públicas isto é igualmente muito utilizado. Algumas delas caracterizam esta prática como “o pingo doce”.
2.    Via bancária. Empréstimos mal parados; Desvios descarados. As entidades governamentais concebem empréstimos para financiar operações que sabem jamais serão pagas. O Banco CAP foi praticamente criado para esses efeitos. Está igualmente em curso uma operação de financiamento aos camponeses onde não são previstas sanções a quem não pagar os empréstimos num claro e pensado estímulo ao não pagamento para obter votos. Os escândalos de roubos em Bancos com capitais públicos são frequentes e do domínio da opinião pública, da mesma forma que a gestão das “ordens” governamentais de “saque” para pagamento a entidades privadas está sujeitas à taxa de corrupção para serem liberadas.
3.    Negócios. Comissões. Construção civil e não só. A prática de altas comissões para aprovação de propostas de trabalho está disseminada por praticamente em todos os sectores da actividade económica, desde a construção civil à actividade bancária, na negociação de linhas de financiamento. A aceitação dum negócio varia na razão directa, não da qualidade e preço da proposta, mas do “quantum” financeiro debaixo da mesa. Uma vez que esses dinheiros são reflectidos na baixa qualidade das obras, as empresas estrangeiras não se coíbem de onerar a facturação. Há anos foi noticia um escândalo observado na União Europeia de subornos dessa Instituição a individualidades à pretexto de facilitar a pesada burocracia que impedia o desenvolvimento de projectos. Recentes estudos dão conta da existência de sistemas da banca internacional que facilitam a corrupção nos países menos desenvolvidos. O dito segredo bancário, é uma forma utilizada para encobrir fortunas que, afinal, aumento o grau de liquidez dessas instituições. Muitos empreiteiros nacionais quase que são “coagidos” pelas entidades governamentais e administrativas para aceitarem tais práticas sob pena de não conseguirem obras ou serviços para realizar. As consequências de tais comissões estão bem patentes na falta de qualidade das obras, mormente, na construção de estradas, tidas como descartáveis.
4.    Uso abusivo de recursos humanos e físicos do Estado. Há uma grande extorsão de recursos humanos e físicos, sobretudo das empresas públicas, e mesmo do sector administrativo do estado, inclusive, nas cadeias prisionais para atender a realizações de carácter privado de detentores do aparelho do Estado. As intervenções vão desde a elaboração de projecto, a trabalhos práticos em Fazendas agrícolas, passando por procura de financiamentos e mesmo à “expertise” para a constituição de empresas.
5.    Realização de negócios com o capital de empresas públicas, repassados para a elite. As empresas públicas assumem a dianteira em alguns investimentos, sobretudo com o sector privado estrangeiro, e depois repassem estes investimentos a empresas privadas em condições de facilidade sem que se saiba ao certo se os “adiantamentos” são depois reembolsados. Tais operações passam-se sobretudo no Exterior do país.
6.    Controlo da produção e comercialização dos diamantes. A exploração diamantífera disseminada por empresas concessionárias do Estado tem sido uma fonte de riqueza portentosa que alimentou o mercado imobiliário. As alianças com sectores internacionais por razões politicas (Gaydamac, Leviev, etc) tem elevado o nível de riqueza do generalato. O controlo sobre a produção é deficiente e as medidas de monopolização comercial vêm beneficiando parte das elites. Os rendimentos que o Estado propriamente tira dos diamantes são inexpressivos, mas as vendas no Exterior são representativas, havendo um “gap” entre o declarado oficialmente e o que consta em registos internacionais.
3.  Características
Podemos advogar dois níveis fundamentais da corrupção em Angola. A de Alta e de baixa intensidade.
1.     Alta intensidade. Permite acumular riqueza para investimento e é praticada por altos funcionários do aparelho do estado (dirigentes e responsáveis) e por sectores do generalato, mas também por redes organizadas de funcionários médios com grande acesso à informação. Somente no que diz respeito a fluxos ilícitos de capitais para o Exterior do País, o PNUD, num estudo por si encomendado afirma que foram detectados, entre o período de 1999 a 2008, cerca de 34 mil milhões de dólares, como supostos fundos colocados aí, devido a “transferências transfronteiriças de dinheiros resultantes de corrupção, o comércio de produtos contrabandeados, a evasão fiscal e outros crimes”.
2.    Baixa intensidade. Permite melhoria da condição de vida, salto para a classe média, mas igualmente é tomado como um “jogo de soma zero”. Ganhámos como corrompidos dum lado e perdemos como corruptores do outro. Os sectores e as modalidades podem ser assim descritos. A lei e as normas não tem força para realização das necessidades dos cidadãos. A crença da resolução dos problemas está na rede de conhecimento familiar e social e na capacidade financeira para pagar serviços fora das normas estipuladas.
i.    Polícia (a famosa gasosa)
ii.    Acesso a emprego (mesmo em empresas de grande gabarito e internacionalizadas ou até na Polícia Nacional e mesmo no Exército e em empresas Públicas)
iii.    Acesso a promoção (em várias empresas, Institutos, Polícia)
iv.    Acesso e passagem em concursos. (antes que o nome, após concurso feito, não surja nas listas de concorrentes)
v.    Acesso a serviços
vi.    Bolsa de estudo
3.    O índice de percepção da corrupção. A organização Transparência Internacional tem emitido uma estatística sobre a percepção da corrupção. Entre 178 países estudados, Angola figura, em 2010, na 168ª posição, com a cotação de 1,9 (a cotação vai de 0 a 10). O site Angolano “Club-K” fez um inquérito para saber se a corrupção em Angola era criminosa ou não na sequência das declarações sobre a corrupção em Angola do artista e activista Bob Geldof e 85% dos votantes afirmarem ser “criminosa” contra 15% que pensa que não. Nota-se igualmente uma correlação entre o índice de corrupção e o nível de desenvolvimento humano. Com efeito os países de baixo nível de desenvolvimento humano medido pelo IDH são aqueles que mais praticam a corrupção. No estudo acima referido do PNUD é revelado que 69% dos fluxos ilícitos de capitais para o Exterior dos países, são daqueles que se encontram Menos Avançados (PMA).
4.  Formas angolanas de corrupção
1.     Nepotismo (redes familiares e trocas: regresso paralelo à economia de troca da 1ª república na dimensão recursos humanos e emprego com benefício mútuo)
2.    Tráfico de influência – relacionado com a natureza política do poder, efectuado no seio do poder político, fora até do meio empresarial autónomo.
3.    Criar dificuldades para ir buscar facilidades. Sobretudo na prestação de serviços públicos, onde a ineficiência não é necessariamente incompetência.
4.    Evasão fiscal e outras formas de fuga ao fisco. Desde as falsas declarações, até a facilitação de falsas declarações de terceiros. Uma empresa com a qual trabalhei escreveu-me para solicitar ao Estado isenção de impostos por ter prestado formação ao pessoal angolano. A constatação de terreno permitiu aferir que não havia formação nenhuma. Grande parte dos gestores, deixa passar isto, para ir buscar recompensas.
5.    Corrupção política
i.    Partidos Políticos. É tempo de revelar que em 1992 foi efectuada uma operação sem precedentes de corrupção política. O Estado foi buscar dinheiro a venda de acções de empresas petrolíferas, bem como a linhas de crédito espanholas sediadas no Ministério do Plano. Com estes dinheiros financiaram a compra de Partidos, um dos quais foi denunciado no Jornal de Angola, havendo usufruído 10milhões de dólares. Um outro partido rejeitou uma oferta de 2 milhões de dólares, uma frota de carros e outros benefícios para sair duma Coligação Política.
ii.    Sectores sociais qualificados. Em 2008, entidades do MAT entregaram dinheiro a dirigentes da Plataforma Eleitoral como forma de os implicar numa suposta corrupção e criar as condições de expulsão do seu coordenador. Agentes da segurança do estado agem por dentro dessas organizações para criar as condições da sua destruição, também através de circuitos de corrupção. O rapista, Brigadeiro 10 Pacotes, foi raptado para mudar de opinião política e ofereceram-lhe duas casas, dois carros e dinheiro. Na imprensa são conhecidos os envelopes da contra inteligência, junto da Presidência da República e, ainda recentemente, Jornalista do Jornal de Angola foram pagos excepcionalmente para fazerem reportagens abonatórias ao comício de desespero do partido da situação a propósito da ameaça de manifestação do 7 de Março.
iii.    Sectores sociais amplos. Medidas demagógicas pró-corrupção abundam em períodos eleitorais, como maratonas com venda de bebidas baratas, a ofertas de carros, de casas (normalmente sem títulos de propriedade). A nova linha de crédito para os camponeses acima referida vai igualmente nesse sentido.
6.    Roubo de projectos. Recentemente veio à público o caso de um grupo de jovens que voluntariamente ofereceu várias ideias ao Governo. Algumas delas foram utilizadas, nomeadamente, para a realização da zona económica em Viana, sem o consentimento dos seus idealizadores. O Governo ainda não desmentiu as acusações públicas sobre o assunto. Sabe-se igualmente que a nível bancário muitos pedidos de financiamento são rejeitados e depois os respectivos projecos aparecem tutelados por outras entidades.
7.    Clientelismo. É um derivado do sistema social de poder sobre o qual é feita a compensação económica.
8.    Peculato. Evidencia até em julgamento de muitos roubos de quem administra as finanças, por desvio do erário público para benefício pessoal ou de grupo. Privado como o próprio partido político.
9.    Lavagem de dinheiro. Recentes denúncias dão conta da existência desse fenómeno entre nós.
10.  Permissibilidade de entrada de produtos contrafeitos. Acentuado com a entrada dos chineses no mercado angolano, permitindo que o barato saia caro.
5.  A problemática da corrupção endémica
A falta de combate a corrupção e os débeis instrumentos de integridade degradaram a situação a um ponto que a corrupção está internalizada no sistema político e incrusta-se não só na filosofia de massas mas na personalidade de cada cidadão. Alguns aspectos dessa constatação são patentes:
1.     Na ausência de ética em toda a dimensão e na desqualificação do trabalho, como um dos sustentáculos da inversão de valores operados na sociedade.
2.    A agem cognitiva do Estado vem da representação da família e o Presidente é o Pai que dispõe dos meios que são drenados para a sociedade. A corrupção faz assim morada em instância de psicanálise, onde a aculturação do fenómeno o torna como aceitável, “normal”.
3.    Se a estrutura superior funciona como um vírus que se auto-infecta, a sociedade acaba por estar toda afectada encontrando motivos, como o direito a sobrevivência por todos os meios, ou a participação no sistema redistributivo informal, para combater a pobreza para participar no esquema da corrupção.
4.    Criou-se um sistema de ideias que em matéria de imperativo de vida é ilustrado na máxima “É desonesto ser honesto
6.  A insuficiência dos mecanismos de combate à corrupção
Pese embora a panóplia de legislação existente, bem como de organismos instituídos regista-se ainda uma grande insuficiência estrutural que permita combater a corrupção e tornar exequível qualquer pretensão nesse sentido.
1.     O pano de fundo político. Os órgãos do estado tornam-se cada vez mais autónomos, ou seja, menos ligados a base que lhes deu origem. Enquanto “Agente Principal” para gestão dos interesses públicos, ele próprio cria as suas necessidades e transforma os objectivos do povo soberano nos seus próprios objectivos. Melhor, ele defende os interesses do seu partido político e não realiza o programa público do povo soberano. Por isto, em Angola observa-se o fenómeno da privatização do Estado, este é mero refém das elites que estão no poder. Nessas circunstâncias, a riqueza social gravita em torno dum grupo minoritário e a corrupção campeia.
2.    A questão legal. Quer a Constituição, quer os códigos, quer as Leis ordinárias oferecem uma abordagem razoável desse fenómeno. Mas ainda há muito que fazer nesse domínio o que passa por elaborar um sistema  jurídico baseado, em primeiro lugar, na nossa própria situação concreta nesse domínio.
3.    As instituições do Estado. Há Instituições do Estado vocacionadas para a prevenção e tratamento da corrupção. Entre elas o Tribunal de Contas, as várias Inspecções do Estado, as direcções de Auditoria, a fiscalização da Assembleia Nacional. No entanto, a Instituição específica para acompanhar esta situação a “Alta Autoridade Contra a Corrupção” criada por Lei em 1996 até hoje não foi implementada. Por outro lado, a principal função do Tribunal de Contas é formular o Parecer sobre as Contas do Estado. O Governo nunca elaborou uma Conta de Estado, o que pressupõe dizer que não se conhece a situação patrimonial do país (o que tem permitido que muita propriedade do Estado seja alienada a particulares sem as devidas e justas compensações para o país). Há cerca de um ano que o Presidente da Assembleia Nacional suspendeu os deveres de fiscalização desse organismo. Muitas mega-obras, como o aeroporto de Luanda, estão sendo concluídas sem o mínimo acompanhamento parlamentar.  Finamente o poder judicial mantém-se fraco, intimidado e dominado pelo poder político.
4.    As empresas. As empresas podem estar sujeitas a legislação geral que pode inspirar estatutos com formulações contra a corrupção e uma base óptima de registo contabilístico, bem como elaborar códigos de ética que norteiam o seu comportamento limpo em negócios. Infelizmente, não só o despreza por uma contabilidade que reflicta a situação patrimonial como ter esses códigos de ético como letra morta tem sido o comportamento habitual. O grande interesse das empresas é ter um relacionamento social com a componente do poder que lhes proteja das suas próprias falcatruas.
5.    As instituições da sociedade civil. Instituições como Ordem dos Contabilistas, empresas de Auditoria, Ordem dos Advogados, poderiam, a par de observatórios universitários, organizações pró-transparência e integridade da sociedade civil, dar um grande contributo ao combate a corrupção. Mas ainda aqui as coisas não vão bem. Há uma grande resistência do poder político em permitir que a Ordem dos Contabilistas funcione e não há o estatuto de Revisor Oficial de Contas no nosso sistema. Significa que há poucas fontes independentes para analisar, averiguar casos de corrupção e as Auditorias e analistas Externos pagos pelo Governo, subordinam-se as intenções daquele. Sabe-se que recentemente as empresas de Auditorias Nacionais estavam proibidas de entrar em concursos para auditar empresas públicas de grande dimensão. Há sempre o receio dos meios públicos que o patriotismo nessas empresas (porque enquanto cidadãos nacionais são igualmente prejudicados pela corrupção) possa conduzir a descoberta de grandes desvios.
7.    Conjuntura internacional. Muitas entidades que ficaram ricas a custa de Angola afirmam peremptoriamente que o segredo do êxito é “carisma, corrupção e perseverança” (pg 169). As empresas petrolíferas que trabalham em Angola não têm a melhor performance internacional em matéria de transparência. A questão da dependência petrolífera do Ocidente e o medo do uso do petróleo como arma (sanção não declarada) de combate político faz com que não haja um interesse consequente no combate a corrupção. Contudo, as necessidades de expandir a influência exterior a outros negócios num ambiente de competitividade efectiva para os estrangeiros preocupa esses países, pois com um sistema de corrupção acentuado não é possível que a melhor oferta triunfe.
8.  Conclusões
1.     A promiscuidade entre política e economia potencia a corrupção, protegendo o grupo, sobretudo, o núcleo central. Nada pode ser julgado que atinja o poder central. O excessivo poder, tornado referência obrigatória para a viabilidade da vida dos cidadãos, faz com que a ideologia dominante influencie o comportamento dos dominados, fazendo com que os métodos e procedimentos do grupo dominante sejam generalizados e seguidos por todos. Só em momento de acentuada crise, se rompe com este padrão demagógico de que “todos beneficiamos do sistema” que a rejeição à corrupção se torna evidente e deixa de ser entendido como algo “normal”. A promiscuidade conduz ao roubo descarado do erário público colocando o país na classificação de estado cleptocrático.
2.    A interdependência entre regime actual e a construção social dum novo substracto social entrelaça-se com a corrupção, de modo que:
i.   A corrupção é um pilar fundamental da sua constituição e funcionamento
ii.    O combate a corrupção é automaticamente entendido como um combate ao regime (Alves da Rocha, expulso do Ministério do Plano, Rafael Marques, perseguido, e ainda se fala que o caso Miala está relacionado com denuncias de corrupção do pacote chinês) e sugere imediatas posições reactivas dos mídia oficial, ou tenta-se dar um passo em frente afirmando que o “importante é fazer bons negócios” pressupondo que o “bom” é o “ético”, bem como se traduz na “incapacidade de implementar sistemas de boas práticas” (SAP). As denúncias formuladas no estudo de 1990 (mando elaborar pelo próprio Presidente da República) bem como as relevantes propostas nunca foram tidas em conta. O Governo também reagiu negativamente as denuncias de corrupção no Banco Nacional feitas em 1992 e hoje assiste-se a depravação de julgamentos uns atrás dos outros de escândalos de corrupção no Banco Central. Os esforços do poder judicial são gorados com ameaças de morte. A defesa do regime confunde-se já com ameaças e assassinatos no seu próprio interior, só passível face a protecção de que certos sectores e indivíduos gozam.
                               iii.    Logo, não é possível um combate eficaz nestas condições, porque o fenómeno é sistémico. Deriva daí a falta de vontade política, por virtude da sobrevivência do próprio regime. Razão por que degeneram todas as boas intenções (Alta Autoridade Contra a Corrupção, Lei da Probidade Administrativa, Campanha de Tolerância Zero, esta uma mera frase), bem como os esforços judiciais acima referidos.
3.    Malgrado os limites lógicos, até porque o regime não pode ser eterno, porque isto é “contra natura”, o combate deve manter-se, numa estratega de preservação de forças éticas e acumulação de saberes como factores de mudança. O combate deve passar da mera denúncia, aos esforços para que o poder Judicial assuma a sua função, mas passa, também, por haver um consenso sobre a corrupção e, sobretudo, a criação de sistemas e processos de integridade a todos os níveis da sociedade: administração pública, sistema judicial, instituições da sociedade civil. A

Bibliografia
  • Shaxson, Nicholas – The Dirty Politics of African Oil
  • Mbeki, Moeletsi – Advocates for Changes . How to overcome Africa´s Challenges
  • Lopes, Francisco – Artigo “Formas de Participação Politica. Participação Partidária” II Semana Social Nacional
  • K, Saúl Pena – Psicianalisis de la Corrupcion
  • PNUD, Indice de Desenvolvimento Humano
  • TI, Indice de Percepção da corrupção
  • Lopes, Francisco – Causas e Consequências da Corrupção
  • Constituição da República de Angola (2010)
FIM
Por Filomeno Vieira Lopes


[1] Controlling corruption – a parliamentarian’s handbook, pg 7
[2] Conclusão de estudo efectuado no país em 1991, sob pedido do Presidente da República

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