Nos últimos anos, meses e/ou dias o país tem ensaiado momentos novos na sua tentativa de construir uma sociedade reconciliada consigo mesmo e com os seus vizinhos, desde a aprovação e publicação do Despacho Presidencial N.º 73/19 de 16 de Maio.
E
então me perguntei, o que de diferente tem estado a acontecer dos demais
processos? Como encaminhar processos sustentáveis e com fundações para as
vindouras gerações? O que podemos aprender dos processos anteriores e melhor
fazer? E de outros processos a mundo fora?
Tal
como a aprovação da Constituição da Republica de Angola de 2010, considerada atípica,
este processo assente no despachos acima mencionado posso assim considera-lo atípico
também, porque dista a km das experiências mencionadas, como a da Africa do Sul
(que é inconclusiva a visão de muitos académicos), a do Brasil (que nem sequer
a km se assemelha com o nosso), nem tão pouco fomos buscar as diretrizes da
União Africana sobre o processo que ao meu ver adaptado ao nosso contexto viríamos a lograr no futuro.
Mas
então que caminho a seguir, podemos fazer diferente, se nos deixarem contribuir
e redefinir o caminho já traçado com outras coordenadas. Mas por favor, peço que
apenas atém-se a reflectir alguns elementos que proponho aqui para depois
aferir o seu mérito e não considerar o do contra, muito pelo contrario estamos
todos no mesmo barco, mas com remos diferentes.
Porque
o escolhi o titulo? Justamente porque este Despacho assenta-se a este trinómio de
palavras, surgindo slogan “Perdoar o
passado, para nos reconciliarmos e depois abraçarmos”. É justamente a isto
que proponho a minha reflexão, e vermos as conexões e desconexões que as mesmas
tem uma da outra e como elas podem convergir naturalmente.
Bom,
o perdão e a reconciliação podem
ocorrer em todas as esferas da experiência humana, incluindo os níveis
individual, comunitário, nacional e transnacional.
Assim, começarei a
explorar os aspectos comuns, porém complicados, de nossa existência humana,
descrever sua importância para o bem-estar pessoal e comunitário e ilustrarei,
com muitas histórias da vida real, como elas podem ser aplicadas de maneira
positiva, maneiras de curar e fortalecer
indivíduos e comunidades. Em qualquer discussão sobre perdão e
reconciliação, é importante fazer uma distinção entre os dois antes de analisar
cada um deles em mais detalhes. Por um
lado, o perdão não significa necessariamente reconciliar-se com o malfeitor.
Pode haver boas razões para você não desejar se reconciliar. A reconciliação é
uma opção adicional. Por outro lado, é quase impossível reconciliar-se com
alguém que você não perdoou. Começamos com algumas idéias gerais sobre perdão e
reconciliação, e seu lugar nos mundos espiritual e comunitário. E depois
procuraremos encontrar o lugar do abraço
como terceiro pressuposto de um dos eixos do programa de reconhecimento as
vitimas do conflito armado de 1975 - 2002 (que é uma outra situação que a tempo
próprio a semelhança deste trarei para a reflexão):
1.
O
perdão é um processo e uma escolha, e pode ser tanto intrapessoal
quanto interpessoal. É um conceito complexo e enigmático, difícil de definir,
porque pode se aplicar de diferentes maneiras a diferentes situações; nem todo
mundo experimenta da mesma maneira. Para
alguns, isso pode resultar na redução de um dano pessoal que facilita a vida;
para outros, pode significar reconciliar-se com um inimigo e poder viver lado a
lado novamente.
A
ultima opção espelha melhor o contexto angolano, por variadíssimas vezes
assistirmos os fantasmas do conflito armado a substituírem os nossos
representantes que delegamos poderes para nos representarem na casa das leis, sempre
que estamos diante de dilemas meramente políticos. O mesmo acontece com as
elites politicas, contagiando negativamente os nossos órgãos de
(des)comunicação social
2.
Se
legislado ou regulamentado de alguma forma, o perdão pode se tornar repleto de
dificuldades, que
é o nosso caso. Como Richard Wilson, cuja irmã foi assassinada no Burundi,
colocou: "No Burundi, a retórica do perdão tem sido usada pelos políticos
para evitar responsabilização". Da mesma forma, John Braithwaite,
pioneiro do movimento Justiça Restaurativa, escreveu: “O perdão é um presente que as
vítimas podem dar. Destruímos seu poder como um presente, tornando-o um dever.”
Isso significa que qualquer movimento de grupo em direção ao perdão pode
começar melhor com a narrativa individual, sem qualquer coerção para perdoar.
3.
No entanto, os líderes comunitários
também devem entender que, se os membros da comunidade - incluindo autoridades
e civis - adotarem uma atitude de perdão, isso poderá ser uma ferramenta muito útil
de saúde pública e de construção de comunidades; vários estudos mostraram que o
perdão produz melhores resultados para a saúde, ajuda a manter bons
relacionamentos e reduz a ansiedade (Exline et al., 2003; Luskin, 2002;
Worthington e Scherer, 2004).
4.
O perdão pode exigir a renúncia a
algo que era importante para você, como
desistir de sua indignação moral, seu desejo de retaliação ou seu apego a
estar certo. No entanto, o perdão é útil para a construção da comunidade,
porque as pessoas que perdoam tendem a ser mais flexíveis e menos seguras em
suas expectativas, tanto em como a vida será ou como os outros as tratarão. As pessoas que perdoam optaram por não
perpetuar uma queixa histórica; de alguma forma, eles são capazes de virar
a página, se soltar das garras do passado e reformular sua própria história.
5.
Embora não exista um método definido
para ensinar o perdão, muitos acadêmicos e profissionais criaram processos para
as pessoas explorarem em suas próprias jornadas de perdão (Enright, 2001;
Luskin, 2002; Tutu & Tutu, 2014). Persuadir
as pessoas a perdoar, que não têm interesse em tais processos, pode colocar
mais um fardo para as vítimas. Mas nessa situação, o que os construtores de
comunidades podem fazer é entrar em um processo de reconciliação ouvindo a
história e a dor do “outro”, e então começam a criar empatia e compreensão.
6.
A reconciliação no contexto da
construção da comunidade pressupõe uma necessidade, uma vontade ou um esforço
real feito por parte de um indivíduo ou grupo de pessoas para viver lado a lado
em paz com uma pessoa ou outro grupo que eles consideraram ser seus adversários
no passado.
7.
No entanto, admitindo que o perdão pode ajudar na reconciliação, nem sempre é uma
condição para o último se desdobrar. Pode
haver razões pragmáticas para as comunidades tomarem uma decisão consciente de
não procurar punir ou retaliar. Essa é uma forma de "perdão", que
pode levar à reconciliação, mas é diferente do perdão. Assim como uma vítima pode
perdoar um criminoso que cumpre uma sentença de prisão, mas ainda vê a
necessidade de encarcerá-lo, da mesma forma uma vítima ainda sente
ressentimento em relação a um criminoso, mas vê o sentido prático de não fazer
nada a respeito para terminar um ciclo de violência.
8.
Por fim, embora o perdão possa ser
considerado um negócio particular - um processo visceral e íntimo - a
reconciliação com outras pessoas que lhe causaram dano ou a quem você machucou
é um gesto externo feito para se reconectar com outras pessoas e renovar
relacionamentos. Nesse sentido, a reconciliação está no cerne da construção e manutenção
da paz em uma comunidade, especialmente na promoção de iniciativas
locais de reconciliação entre comunidades divididas e na reintegração de
pessoas libertadas da prisão de volta à sociedade.
9.
Com o tempo, as pessoas podem
perceber que manter o ressentimento tem um custo (pessoal e comunitário) e,
portanto, preferem liberar sua amargura e raiva. Somente então eles poderão
começar a trabalhar em maneiras de desenvolver planos para reparar os danos.
Com
estas reflexões, passamos a examinar algumas questões importantes relacionadas
ao perdão, à reconciliação e a seus pedidos à comunidade, nas próximas
oportunidades.
Felizardo Epalanga