domingo, 21 de novembro de 2021

Perdoar para Reconciliar-se e depois Abraçar?

Nos últimos anos, meses e/ou dias o país tem ensaiado momentos novos na sua tentativa de construir uma sociedade reconciliada consigo mesmo e com os seus vizinhos, desde a aprovação e publicação do Despacho Presidencial N.º 73/19 de 16 de Maio.

E então me perguntei, o que de diferente tem estado a acontecer dos demais processos? Como encaminhar processos sustentáveis e com fundações para as vindouras gerações? O que podemos aprender dos processos anteriores e melhor fazer? E de outros processos a mundo fora?

Tal como a aprovação da Constituição da Republica de Angola de 2010, considerada atípica, este processo assente no despachos acima mencionado posso assim considera-lo atípico também, porque dista a km das experiências mencionadas, como a da Africa do Sul (que é inconclusiva a visão de muitos académicos), a do Brasil (que nem sequer a km se assemelha com o nosso), nem tão pouco fomos buscar as diretrizes da União Africana sobre o processo que ao meu ver adaptado ao nosso  contexto viríamos a lograr no futuro.

Mas então que caminho a seguir, podemos fazer diferente, se nos deixarem contribuir e redefinir o caminho já traçado com outras coordenadas. Mas por favor, peço que apenas atém-se a reflectir alguns elementos que proponho aqui para depois aferir o seu mérito e não considerar o do contra, muito pelo contrario estamos todos no mesmo barco, mas com remos diferentes.

Porque o escolhi o titulo? Justamente porque este Despacho assenta-se a este trinómio de palavras, surgindo slogan “Perdoar o passado, para nos reconciliarmos e depois abraçarmos”. É justamente a isto que proponho a minha reflexão, e vermos as conexões e desconexões que as mesmas tem uma da outra e como elas podem convergir naturalmente.

Bom, o perdão e a reconciliação podem ocorrer em todas as esferas da experiência humana, incluindo os níveis individual, comunitário, nacional e transnacional.

Assim, começarei a explorar os aspectos comuns, porém complicados, de nossa existência humana, descrever sua importância para o bem-estar pessoal e comunitário e ilustrarei, com muitas histórias da vida real, como elas podem ser aplicadas de maneira positiva, maneiras de curar e fortalecer indivíduos e comunidades. Em qualquer discussão sobre perdão e reconciliação, é importante fazer uma distinção entre os dois antes de analisar cada um deles em mais detalhes. Por um lado, o perdão não significa necessariamente reconciliar-se com o malfeitor. Pode haver boas razões para você não desejar se reconciliar. A reconciliação é uma opção adicional. Por outro lado, é quase impossível reconciliar-se com alguém que você não perdoou. Começamos com algumas idéias gerais sobre perdão e reconciliação, e seu lugar nos mundos espiritual e comunitário. E depois procuraremos encontrar o lugar do abraço como terceiro pressuposto de um dos eixos do programa de reconhecimento as vitimas do conflito armado de 1975 - 2002 (que é uma outra situação que a tempo próprio a semelhança deste trarei para a reflexão):

1.                   O perdão é um processo e uma escolha, e pode ser tanto intrapessoal quanto interpessoal. É um conceito complexo e enigmático, difícil de definir, porque pode se aplicar de diferentes maneiras a diferentes situações; nem todo mundo experimenta da mesma maneira. Para alguns, isso pode resultar na redução de um dano pessoal que facilita a vida; para outros, pode significar reconciliar-se com um inimigo e poder viver lado a lado novamente.

A ultima opção espelha melhor o contexto angolano, por variadíssimas vezes assistirmos os fantasmas do conflito armado a substituírem os nossos representantes que delegamos poderes para nos representarem na casa das leis, sempre que estamos diante de dilemas meramente políticos. O mesmo acontece com as elites politicas, contagiando negativamente os nossos órgãos de (des)comunicação social

2.                   Se legislado ou regulamentado de alguma forma, o perdão pode se tornar repleto de dificuldades, que é o nosso caso. Como Richard Wilson, cuja irmã foi assassinada no Burundi, colocou: "No Burundi, a retórica do perdão tem sido usada pelos políticos para evitar responsabilização". Da mesma forma, John Braithwaite, pioneiro do movimento Justiça Restaurativa, escreveu: “O perdão é um presente que as vítimas podem dar. Destruímos seu poder como um presente, tornando-o um dever.” Isso significa que qualquer movimento de grupo em direção ao perdão pode começar melhor com a narrativa individual, sem qualquer coerção para perdoar.

3.                   No entanto, os líderes comunitários também devem entender que, se os membros da comunidade - incluindo autoridades e civis - adotarem uma atitude de perdão, isso poderá ser uma ferramenta muito útil de saúde pública e de construção de comunidades; vários estudos mostraram que o perdão produz melhores resultados para a saúde, ajuda a manter bons relacionamentos e reduz a ansiedade (Exline et al., 2003; Luskin, 2002; Worthington e Scherer, 2004).

4.                   O perdão pode exigir a renúncia a algo que era importante para você, como desistir de sua indignação moral, seu desejo de retaliação ou seu apego a estar certo. No entanto, o perdão é útil para a construção da comunidade, porque as pessoas que perdoam tendem a ser mais flexíveis e menos seguras em suas expectativas, tanto em como a vida será ou como os outros as tratarão. As pessoas que perdoam optaram por não perpetuar uma queixa histórica; de alguma forma, eles são capazes de virar a página, se soltar das garras do passado e reformular sua própria história.

5.                   Embora não exista um método definido para ensinar o perdão, muitos acadêmicos e profissionais criaram processos para as pessoas explorarem em suas próprias jornadas de perdão (Enright, 2001; Luskin, 2002; Tutu & Tutu, 2014). Persuadir as pessoas a perdoar, que não têm interesse em tais processos, pode colocar mais um fardo para as vítimas. Mas nessa situação, o que os construtores de comunidades podem fazer é entrar em um processo de reconciliação ouvindo a história e a dor do “outro”, e então começam a criar empatia e compreensão.

6.                   A reconciliação no contexto da construção da comunidade pressupõe uma necessidade, uma vontade ou um esforço real feito por parte de um indivíduo ou grupo de pessoas para viver lado a lado em paz com uma pessoa ou outro grupo que eles consideraram ser seus adversários no passado.

7.                   No entanto, admitindo que o perdão pode ajudar na reconciliação, nem sempre é uma condição para o último se desdobrar. Pode haver razões pragmáticas para as comunidades tomarem uma decisão consciente de não procurar punir ou retaliar. Essa é uma forma de "perdão", que pode levar à reconciliação, mas é diferente do perdão. Assim como uma vítima pode perdoar um criminoso que cumpre uma sentença de prisão, mas ainda vê a necessidade de encarcerá-lo, da mesma forma uma vítima ainda sente ressentimento em relação a um criminoso, mas vê o sentido prático de não fazer nada a respeito para terminar um ciclo de violência.

8.                   Por fim, embora o perdão possa ser considerado um negócio particular - um processo visceral e íntimo - a reconciliação com outras pessoas que lhe causaram dano ou a quem você machucou é um gesto externo feito para se reconectar com outras pessoas e renovar relacionamentos. Nesse sentido, a reconciliação está no cerne da construção e manutenção da paz em uma comunidade, especialmente na promoção de iniciativas locais de reconciliação entre comunidades divididas e na reintegração de pessoas libertadas da prisão de volta à sociedade.

9.                   Com o tempo, as pessoas podem perceber que manter o ressentimento tem um custo (pessoal e comunitário) e, portanto, preferem liberar sua amargura e raiva. Somente então eles poderão começar a trabalhar em maneiras de desenvolver planos para reparar os danos.

Com estas reflexões, passamos a examinar algumas questões importantes relacionadas ao perdão, à reconciliação e a seus pedidos à comunidade, nas próximas oportunidades.

Felizardo Epalanga

 

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